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Aspectos evolutivos do género musical cabo-verdiano: a coladeira

A coladeira é um dos ritmos de uma grande popularidade no meio musical de Cabo Verde.   Também, como a morna, não escapou à polémica em torno da sua origem.
Terá alcançado maior dimensão e projeção na década de cinquenta e sessenta do século passado e , comumente aceite, a sua conquista do espaço musical teve início na Cidade do Mindelo, São Vicente, por volta de 1940. 
Aventa-se a ideia que a Coladeira é o resultado da morna em andamento rápido e que o nome foi trazido à baila por António Tchítche, quando no decorrer das festividades de Nhô San Jon, nos idos de 1930, conseguiu cantar uma morna sob o acompanhamento do tambor, exclamando: "és qu´é morna coladera".

Ernesto Vasconcelos, na obra "As colónias de Portugal", na sua edição de 1916, fornece, todavia, informações que concorrem para questionar a tal suposição, ao consagrar, no capítulo respeitante a Cabo Verde, que "(...) As danças predilectas do povo são a coladeira, a taca e o lundum" (...), introduz este autor a ideia de que a designação "coladeira" já existia muito antes da data que se costuma referenciar com a data do seu aparecimento. 
Na descrição que o autor faz da coladeira, caracteriza-a como "licenciosa e um tanto libertina na intenção (...).  Ainda, no tocante à coreografia que sujeita a sua dança, descreve que "ao som da música apropriada, os pares começam a mover-se num balançamento lânguido e morno no comêço, mas que vai agitando-se com ardor crescente. Todo o corpo se move, acompanhando os movimentos das pernas. Tal é o tom geral das danças, que só na coladeira tem movimentos de corpo verdadeiramente licenciosos e por isso não é usado em todas as casas"


De acordo com Manuel de Jesus Tavares, licenciado em línguas e literaturas modernas e diplomata de carreira, autor de "Aspectos evolutivos da música cabo-verdiana", o termo é muito anterior à data apontada como sendo a do seu surgimento e a veicular uma música ligada a uma dança, significa que este género não era desconhecido. Talvez regras de conduta social então vigente a tivessem forçado a refugiar-se num "estádio de hibernação" e que, ao deparar-se com alguma abertura e permissividade social, tivesse sido objecto de recuperação. 
Devido a influências de outras latitudes com a entrada e saida de navios no Porto Grande, não podemos dissociar a coladeira actual de subsídios de outros estilos musicais que nela confluíram. 
Mindelo era inundada de barcos e os tripulantes e passageiros deixavam-se levar pelos momentos de prazer oferecidos pelo ambiente do Porto, e, sobretudo, a Rua de Esperança, no Lombo, uma referência obrigatória, particularmente pelo facto de a habitar personalidades marcantes da música, como o Antóne Tchitche, Salibana e B. Léza, entre os finais dos anos quarenta e início de cinquenta do século XX. Era neste espaço, hoje consumido quase na totalidade pelos trabalhos que envolveram a construção do Hospital Baptista de Sousa que girava toda a vida boémia do Mindelo. 
Nessas ocasiões, nas décadas de cinquenta, sessenta e setenta, afluíam muitas embarcações e gentes vindas do exterior à procura de divertimento. Nessa latura os grupos musicais existentes abrilhantavam diversos bailes e uma oportunidade de os músicos tanto nacionais como estrangeiros (brasileiros, na sua maioria) mostrarem seus dotes artísticos e sua música. 
As músicas afro-latinas, como "merengue", " chá-chá-chá", "twist", "swing", "cumbia", "fox", "samba", "bossa nova", e tantas outars trazidas por esses estrangeiros juntavam à músicas tradicionais e ganhavam um estilo próprio do espírilo crioulo com a necessidade de espelhar os aspectos característicos da vivência do então ambiente sanvicentino. Perante o facto, a coladeira sentia-se forte concorrência por músicas de outras paragens, como denuncia Frank Cavaquinho, na sua coladeira "Firvura", composta no decurso dos anos cinquenta, como se pode verificar nos versos seguintes: 

"Hoje em dia é tchá-tchá-tchá
Twist, merengue
Coladera câ f´ca pa trás
Pa és mininas bem pulá."

Morgadinho, no seu trecho "caboverdianinha", assumiu claramente esta concorrência face à música yé-yé: 

"Dança que tâ na moda agora
Yê-Yê-Yê
Um caboverdianinha
Bô é dançadera
Câ tâ Podê d´tchá
Dança se coladera"

Circunscrita na sua essência poética e sátira e, em termos musicais, a uma síntese de géneros musicais estrangeiros, chegou-se com o suporte de estilos nacionais e o recurso à antiga terminologia, ao ritmo que actualmente desfila sob o nome de coladeira, que ganhou expressão e linha própria com Antone Tchítche e Djack de Carmo, autores de "Grog ti ta ben cabá" e Flôr formosa", respectivamente - duas peças mais antigas deste estilo que se tem memória. "Hitler ca ta gahâ guerra né nada", da autoria de B. Lèza, é outra canção, igualmente concebida nessa época - início dos anos quarenta - mas, sob o protótipo, quase sempre, do estilo brasileiro samba. 
Foram então Gregório Gonçalves, mai conhecido por Goy, Franka Cavaquinho e Manuel d´novas que outorgaram à coladeira uma matriz estável que hoje caracteriza este estilo, que conhece, entretanto, evoluções crescentes em relação à linha tradicional seguida pelos veteranos. 




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