A FONTE DE VINAGRE- Estância de Repouso
O sítio de Vinagre está localizado no litoral da ilha na costa Leste ficando a alguns quilómetros de Nova Sintra. Os acessos são difíceis. Chega-se lá a pé ou a cavalo, e, com muito custo, por viaturas de tracção a quatro rodas. Ali nesse retirado espaço se localiza a fonte do Vinagre, onde não há muitos anos jorrava uma água mineral, que em tempos idos era vendida em barrís três vezes mais cara do que a água doce normal. Cristiano de Senna Barcelos indica que os estrangeiros comparavam a água do Vinagre à de Seltz.
A água do vinagre foi utilizada para o consumo, tanto para beber como para cozinhar. Mulheres e, às vezes, também homens munidos das suas rodilhas, (urdidja) e garrafões transportavam esse precioso líquido à cabeça para levarem às casas das famílias mais abastadas. Utilizavam também animais, especialmente o burro, para o transporte dessa água mineral.
A localidade do Vinagre além de possuir uma água refrescante e saborosa era um sítio ameno e aprazível, onde famílias e grupos de amigos organizavam piqueniques. Existem muitas fotografias de grupos desfrutando de bons momentos passados nessa localidade. Havia ali algumas casas, chegando a ter muita vegetação naquela estância paradisíaca. Houve uma altura em que se explorava a cal que seria utilizada na construção e no embelezamento das nossas casas. Isso devido a abundância de pedras calcárias na região. Os fornos de cal já não existem ou pelo menos não fabricam mais a cal. Produzia-se lá a cana sacarina, a qual era utilizada para o fabrico da aguardente (o grogo) e do nosso mel o “melaço”. Havia também alguns pés de mangueira e outras árvores de fruta, como o mamão. O edifício construído junto da nascente e o tanque que armazenava esse precioso líquido ainda existe, mas num avançado estado de degradação. Seria uma pena se este marco histórico desaparecesse. Na parte superior do edifício principal está esculpida a cabeça de um indivíduo, “Nhó Djon Fontana” que, segundo a lenda, estando à beira da fonte, morreu de sede por não querer dar-se ao trabalho de se aproximar da nascente e matar a sede.
A Fonte do Vinagre inspirou muitos poetas bravenses a escrever versos de amor. Entre outros temos os do poeta João José Nunes (Nhó Djoninho), que dizem assim:
Fonte
Ó fonte, qui ’n amâ tanto
Desde nha infância em flor!
Ó fonte qui odjâ’n criâ
Pedí nhor Dés pa nha amor.
Xinâ pedras di labada,
Ó agu claro ta corrê,
P’el flâ Deus pa dâ’n mil bida
Pa ‘n amâ’l até morrê.
Dedicado ao Edgar Azevedo (1946)
João José Nunes não só inspirou para escrever estes versos de amor, mas também para produzir uma das mais belas peças literárias sobre esta paradisíaca estância. Da revista “Cabo Verde”, no. 35 do ano de 1952 transcrevemos, em parte, estas inspiradoras palavras sobre a fonte do Vinagre:
“Outrora, com a sua opulenta vegetação, - oceano de esmeralda ondulando aos sopros balsámicos da brisa matinal; com os seus veios cristalinos, serpeando, descendo a rumorejar os aclives que se prolongam até ao pé do Pesqueiro; com os seus numerosos pombos, ora acariciando-se sobre o tapiz da relva macia, ora cindindo o espaço translúcido, quase sempre iluminado por um sol glorioso; animado por crioulas simpáticas e joviais; povoado de mornas embaladoras, que se confundiam no ar lavado com a ininterrupta orquestração das aves; o Vinagre, foi, incontestàvelmente, um dos mais deliciosos remansos, e, de par, um dos mais importantes regadios da ilha Brava. Ali é que se reunia, quase sempre, o escol da Nova Sintra, em ranchos tão formosos e animados, que acendiam relâmpagos de viva alegria na brúma de tédio, que às vezes envolvia a vida social bravense”.
Também o Dr. Duarte de Vasconcelos, poeta primoroso e ilustre Juiz de Direito naquela Colónia, aludindo à magnífica água do Vinagre, dizia na sua comovedora Despedida da Brava”:
Tuas águas são bálsamos santos
Como os prantos, alívio na dor;
São eflúvios de mágico enleio,
Do teu seio, tesouros de amor.
“O Vinagre de ontem, solo ubérrimo, continuamente viridente e fresco; panorama perturbante, cuja beleza os bravenses guardam ainda carinhosamente nas retinas da alma; grandioso e quimérico sanatório, entressonhado pelo espírito fecundo do distinto clínico Dr. João Baptista de Faria; múrmuro e idílico retiro de alguns espíritos românticos; sem embargo dos heróicos esforços dos seus indefesos proprietários, perdeu, desgraçadamente, todo o seu encanto. O débito das suas nascentes, decresceu desmedidamente e da exuberante cultura de cana sacarina, que enriquecia e aformoseava seus numerosos socalcos nem restam vestígios. Uma monotonia constante, substituiu a límpida alacridade que dantes animava o largo onde Júlio Feijóo, então primeiro comerciante da ilha, pensou criar um pequeno restaurante para os que iam ali gozar horas plácidas, diante de uma tela ampla, colorida, respirando vida e frescura.”
Muitas memórias são ainda hoje recordadas por aqueles que tiveram a dita de viver tão belos e bons momentos com os seus amigos nesta estância mágica. Façamos alguma coisa para revitalizar esse espaço que tantas vivências culturais ali se desenrolaram.
Por: Benvindo Leitão
Fonte: Bravanews
Nenhum comentário:
Postar um comentário