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A Morna rumo a Património Mundial: Subsídios para uma Estratégia Programática



A Morna rumo a Património Mundial: Subsídios para uma Estratégia Programática
Vai ser formalizada na UNESCO a candidatura da Morna a Património Cultural (Imaterial) da Humanidade. Dirão alguns que isto não é notícia – e de facto não é! Há para aí dois anos, desde que o Fado foi inscrito na Lista do Património Mundial, demos connosco a sonhar: e porque não a Morna? Da emoção à acção, para muitos «já ca canta »! Outros pensam que a procissão já vai longe… ao passo que ainda nem vai no adro!

Escusado dizer que não basta postular para obter esse prestigioso título de reconhecimento, que é também uma garantia de protecção enquanto património de toda a humanidade. Claro que os países candidatos devem cumprir com um sem-número de condições.

Desbravados os caminhos legais, o nosso processo de candidatura dará entrada no Comité do Património Mundial, que é quem decide mediante avaliação e recomendação de três organismos consultivos: o Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios Históricos (ICOMOS), a União Mundial para a Natureza (UICN) e o Centro Internacional de Estudos para a Preservação e Restauração dos Bens Culturais (ICCROM). Os dois primeiros são independentes, e o terceiro é um organismo intergovernamental.

Imagino que os cabo-verdianos gostariam de ler esta nota-de-rodapé nas correspondências oficiais: “2014, ano da candidatura da Morna a Património Imaterial da Humanidade”.[i]

A aposta é ousada - ela prefigura um desafio à nossa diplomacia cultural…

… e aos cabo-verdianos em geral

Salvé ó «Música Rainha di nôs Terra»! Abram-se as portas do santuário da cultura universal para te receber em toda a tua beleza e plenitude quando te apresentares ao sufrágio do supremo areópago, e contigo a cultura musical das nossas ilhas !

O desafio é tanto mais audaz, ó «Música Rainha»!, que não levas o selo das manifestações folclóricas ou rituais, nem das mais exóticas, nem dos planetários ritmos populares urbanos, por exemplo o tango (inscrito na Lista do Património Mundial em 2009).[ii]

Mas acredito que a nossa candidatura vai armada de um argumentário solidamente fundamentado e convincente, com especial ênfase para a tua génese, ó Morna, num universo de miscígenas origens e culturas; tua ecuménica criação que te abriu os caminhos da terra-longe e te fez pulsar no coração de músicos e compositores de outras nações. Sem dúvida se evidenciou a mundividência que adquiriste graças à nossa diáspora interactiva que te lavrou novos horizontes; a tua universalidade, patente no sucesso de Cesária Évora e de outros mensageiros teus.

Também me convenço que não basta pleitear a tua causa, ó Morna, e que só unindo esforços em várias frentes é possível mobilizar vontades e criar sinergias para te levar ao altar do Património Mundial. Persuado-me de uma diplomacia cultural em relação dialéctica com a sociedade civil, como mais adiante exemplifico (Cf. ponto 2). E porque a nossa eclética música não viu nascer todos aqueles que a abraçaram, deve-se dar a palavra àqueles que, sem serem filhos das ilhas, te sentiram e cantaram, ó Morna, e te levaram pelo mundo.

Numa palavra, julgo que se preconizou uma estratégia nacional com esferas de intervenção a diferentes níveis :


1. A nível institucional

Cultura e política externa são, no que tange à candidatura da Morna a Património Mundial, os dois eixos em correlação com a UNESCO e a sua Comissão Nacional em Cabo Verde. Daí a necessidade de uma estratégia coordenada entre o Ministério da Cultura e o Ministério das Relações Exteriores.

Perante este Ministério responde a Embaixada de Cabo Verde em França que, cumulando com as competências de Delegação Permanente junto à UNESCO, é uma das vertentes estratégicas da nossa diplomacia cultural. Nada mais normal que a nossa Embaixada/Delegação Permanente faça campanha pela nossa candidatura, especialmente junto dos Estados-Membros do Comité do Património Mundial (CPM).

Cabo Verde nunca integrou o C.P.M (que de dois em dois anos, à margem da conferência geral da UNESCO, faz eleger 1/3 dos seus membros, como manda o regulamento, para um mandato de seis anos). Na falta dessa experiência, e porque um processo em curso ou em perspectiva inviabiliza qualquer candidatura, pode-se compensar com uma proximidade «táctica», por assim dizer. Salvo incompatibilidade (a averiguar), convidem-se os membros do C.P.M. aos eventos musicais que o justifiquem, com destaque para a morna (curando o necessário acompanhamento protocolar). Em Paris, mas também, e porque não, em Cabo Verde...

Ainda em sede da UNESCO, será proposto ao Grupo CPLP (a meu ver, um dos potenciais parceiros deste projecto) que o Dia da Língua Portuguesa seja celebrado (em maio) sob o signo da candidatura da Morna ao Património Mundial. Não seria inoportuna uma menção em outras efemérides, como por ocasião do Dia da África (também em maio).

Nessa perspectiva de levar a Morna aos palcos da UNESCO (com coreografia se possível), podia-se pensar numa gala de mornas na Sala I ou no restaurante do 7° andar da casa-mãe (Place de Fontenoy), eventualmente com gastronomia cabo-verdiana.

A candidatura da Morna pode e deve inspirar-se de processo similar em relação ao Fado, de resto bem sucedido: em 2011 o Fado obteve a sua inscrição na Lista do Património Mundial intangível. Essa experiência pode servir-nos se articularmos com a Delegação Permanente de Portugal na UNESCO e com a Comissão Nacional da UNESCO em Portugal.


2. A nível da sociedade civil

A candidatura da Morna, como qualquer desiderato nacional, é um factor de «juntá-mon» com a tónica nas relações públicas. Algumas das acções a seguir elencadas apelam à indefectível colaboração das associações e pessoas de boa vontade; dos círculos ligados ao mercado discográfico, empresários e promotores de espectáculos. A palavra aos músicos, investigadores e estudiosos na matéria! Quero crer que os mais entendidos hão-de escrever e comunicar sobre o tema em conferências e debates; que dele falarão os nossos cantores quando subirem ao palco; que será abordado nas escolas de Cabo Verde e estará patente em painéis de rua. Seja exortada a comunidade cabo-verdiana em França a mencionar a candidatura da Morna nas suas realizações culturais.

Poderia editar-se, para a ocasião, uma rapsódia dos títulos mais representativos, com um apontamento histórico sobre a Morna, num álbum que poderia levar o título “A Morna rumo ao Património Mundial» : uma bela prenda para trocas protocolares.

A prever-se uma opção audiovisual dessa produção, abria-se espaço para os grupos de dança se empenharem em (re)criar coreografias (apelando, porque não, aos exímios dançadores da morna).[iii] Talvez uma música bem coreografada tenha mais chances de seduzir o júri… Também a polifonia poderá ser uma mais-valia, com mornas cantadas a várias vozes.[iv]

Apetece sugerir que nas celebrações da independência nacional (nas ilhas como na diáspora) se faça especial menção à candidatura da Morna. E viria a calhar que fosse adoptada como lema do festival da Baía, Gamboa, Praia de Cruz ou Santa Maria.

Sendo possível levar a Cabo Verde o presidente do C.P.M. (ou quem o represente), faça-se coincidir a visita com esse festival, consignando-lhe um programa temático com momentos de morna (ocorre pensar na «Casa da Morna», no «Quintal da Música», no «Jazz Festival», nas noites cabo-verdianas ou nas tocatinas da Lajinha).


3. Comunicação social e parcerias

A comunicação social conta muito neste processo, assim como as redes sociais, facebook em particular. Em França a informação será ampliada aos espaços de antena direccionados para a nossa gente, bem assim às rádios de temática musical (France Culture, Radio Nova, Radio Latina…)

Julgo que em Cabo Verde a televisão e a radiodifusão públicas já difundem programas alusivos (como me parece ter ouvido recentemente na RCV). Um genérico seria bem vindo nas emissões da TCV e da RCV. E não duvido que os órgãos de comunicação privados, incluindo os jornais online, hão-de aderir a este ambicioso projecto de todos nós.

Independentemente do «juntá-mon» referido no ponto 2., o recurso a mecenas e sponsors (TACV, bancos, companhias de seguros, hotéis, restaurantes e outras empresas) poderá ajudar a implementar algumas acções: por exemplo, os painéis de rua, conferências, ou uma eventual visita do Presidente do Comité do Património Mundial a Cabo Verde.

Adiante Morna Rainha! Que teremos a perder se chumbares na UNESCO, se já foste sufragada no coração deste Povo de povos feito?


Mantenhas da terra-longe, 20 de fevereiro de 2014


Fonte: Bravanews

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