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Brava - trechos de uma monografia

      De entre as ilhas do Arquipélago de Cabo Verde, é a Brava, a mais pequena e a de mais ameno clima, aquela que oferece maior originalidade de linhas, nos perfis psíquico-social e antropológico de seus habitantes.
          A gente bravense é branca ou mista, produto admirável de cruzamento dos primeiros colonos de Portugal, com mestiços vindos principalmente da vizinha ilha do Fogo.
Uma tradição muito vaga, muito enfumaçada, um pouco delicada na memória das gerações, quer dizer que, entre os primeiros elementos que constituiram a população bravense se contavam os brancos que, chegando às ilhas maiores, e defrontando, em S. Tiago com as febres da cidade da Ribeira Grande, e no Fogo ciosas preponderâncias dos já estabelecidos, buscavam, logo, um refúgio na pequena ilha Brava.
        E deve ter sido assim para que um como que instinto de independência formasse, como de facto formou primordialmente, o fundo do carácter bravense, as bases da sua base moral, e se transmitisse, como é inegável que se tem transmitido, de geração para geração, constituindo, hoje, esse instinto um rígido escolho em que têm despedaçado, mais uma vez os sestros da tirania de um ou de outro que à iha tem acontecido trazer comissão de mandar numa ilha de más venettas.
       Reminiscências atávicas definem, ao mesmo tempo, a proveniência étnica do povo da Brava, acentuando-lhe o carácter aventureiro que fortemente sublinha o perfil moral dos homens e a suavidade espiritual e a perfeição física das mulheres; a paixão pelo mar que coloca o marinheiro bravense entre os primeiros do mundo; o rico e original «folk-lore»; a invariável linha tradicional da indumentária; as cantigas ao desafio; os terços melopiados ao luar, plangentes como choros que, se desprendessem do céu estrelado, polvilhando de pranto a concavidade deleitosa dos vales; as hitórias à lareira; e, ainda, a feição tipica da casa portuguesa, tigrando o veludo verde das lombas e dos vales, e, sobretudo, a índole boa e valorosa do povo. Tudo português, tudo minhoto, desde os campos do milho sob cheias de luz, dentro da concha azul de um céu meridional, até ao arrodelar do chaile na cintura, o entoucar do lenço, e o encantador romance de uma vida sã e pura. 
      Terras exíguas posto que férteis, delas o colono não podia colher riquezas. Quando muito davam-lhe o pão de cada dia, o que não bastava a águias. O mar, porém, estava perto, o mar azul franjado de prata, abraçando e beijando as bases basálticas da ilha. E o mar convidava. 
       E foi assim que esses homens já elevados em necessidades criadas por uma mais alta compreensão da vida, deixavam o remanso dos lares, desprendiam-se da felicidade doméstica, e abrindo asas fortes, partiam para longes terras, de onde, após anos de lutas, a saudade, uma portuguesíssima saudade, os arrancava de regresso ao lar, mal realizavam um pequeno pecúlio para aumentar e levantar as adoráveis comidades da sua vida obscura.
     No princípio atiravam-se às ondas e ganhavam os navios que bordejavam, ou que passavam. E eis como o bravense começou tomando de assalto um lugar de honra entre os conquistadores da felicidade pelo trabalho.


Por: Eugénio Tavares
in Eugénio Tavares, pelos jornais... Instituto Caboverdeano do Livro e do Disco, 1997

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